Empreendimento de luxo ameaça a vida de populações tradicionais na Ilha do Caju, no Maranhão. Pescadores e catadores de caranguejo e ostra, denunciam que estão sendo proibidos por seguranças armados de trabalhar nas áreas de igarapé, mangue e praia
Uma investigação de “The Intercept Brasil”, aponta para um empreendimento de luxo ameaça a vida de populações tradicionais na Ilha do Caju, no Maranhão. Pescadores e catadores de caranguejo e ostra, denunciam que estão sendo proibidos por seguranças armados de trabalhar nas áreas de igarapé, mangue e praia. O motivo é que, no local, está prevista a criação de uma pousada de luxo dita “sustentável” por ter um projeto de captura de carbono. Na prática, um casal formado por um estrangeiro Bilionário e sua esposa brasileira está limitando o sustento de famílias que dependem da ilha há gerações.
O pescador Leandro dos Santos aprendeu ainda criança que a Ilha do Caju, no município de Araioses, no Maranhão, seria uma terra particular, mas isso nunca o impediu de frequentar as praias, igarapés e mangues do local. Os cursos d’água no entorno da ilha são fonte de renda e alimentação para ele e cerca de 2 mil famílias de catadores e pescadores. “É o lugar onde tem mais caranguejo e peixe”, conta.
A questão é que agora, a Ilha do Caju deixou de ser uma área pública privatizada e se tornou uma “private island”, termo em inglês que tem o mesmo significado, mas mudou o acesso dos pescadores e catadores ao território. No local, está previsto ser erguida uma pousada de luxo que se diz sustentável apenas porque tem um projeto de captura de carbono associado a ela, o que na verdade representa mais um risco a quem depende da ilha como sustento.
No ano de 2022, no final d0 Governo Bolsonaro (PL), a União e a empresa Ilha do Caju LTDA, ligada ao empresário sueco Jimmy Furland e sua esposa, a ex-modelo cearense Natália Furland, assinaram um contrato de aforamento para ter o direito de uso da ilha.
O casal é dono do primeiro hotel de “pós-luxo” do Brasil – essa expressão se refere ao mercado em que produções e costumes de povos e comunidades tradicionais são apropriados por empresários e oferecidos a preço de ouro, a título de “experiência” e “exclusividade”, a clientes endinheirados. Agora, os Furland querem erguer ali uma pousada com até 50 leitos.
A empresa deles só tem direito a usar 252 hectares dos cerca de nove mil que compõem a Ilha do Caju, mas está ignorando os termos do contrato de aforamento. Sob a justificativa de preservação ambiental, a empresa ambiciona instalar um projeto de descarbonização que deve incidir em 8.500 hectares da ilha e está proibindo catadores e pescadores, segundo relatos deles, de frequentar e trabalhar nos cursos d’água do Caju.

O projeto de captura de carbono, chamado Blue Carbon – Carbono Azul – prevê a preservação de ambientes marinhos e costeiros, vinculado ao hotel. A transnacional Ambipar, com sede em São Paulo, foi contratada pela hoteleira para a execução.
“Na reunião que tivemos com a empresa de crédito de carbono, eles falaram muito que lá era uma área que não era frequentada por ninguém, que não tinha cata e nem pesca. Eu falei tem, a galera cata lá há muito tempo”, conta Santos.
Os pescadores e catadores de caranguejo e ostra relatam que estão sendo proibidos por seguranças armados de exercer seu ofício em áreas de igarapé, mangue e praia. Segundo as denúncias, os seguranças ameaçam os trabalhadores dizendo que serão presos e terão os produtos da pesca retidos. Em abordagem este ano, um dos nativos afirmou que teve caranguejos levados pelos seguranças; outro disse que precisou deitar na lama para se esconder. Os relatos estão na ata de uma reunião realizada em fevereiro deste ano pela AmarDelta, a Associação Mãe das Associações da Reserva Extrativista Marinha do Delta.
A Superintendência do Patrimônio da União no Maranhão, vinculada ao governo federal, ressaltou que o contrato de aforamento, além de se restringir a 252 hectares da ilha, não contempla as praias, manguezais, igarapés e apicuns, que são “bens de uso comum do povo”.
“Qualquer tipo de proibição imposta a moradores das comunidades tradicionais para o uso tradicional dos recursos da ilha é ilegal e se baseia numa falsa ideia de que a ilha é uma propriedade privada”, explica o defensor público federal no Maranhão Yuri Costa.
De acordo com Costa, a Lei 7.661 de 1988, que trata do plano de gerenciamento costeiro, garante o livre acesso às praias. O próprio Código Florestal protege os manguezais, áreas de preservação permanente determinando que o uso seja coletivo e regulado pelo poder público, mas não pela vontade particular.
“Se houver proibição, há violação de leis patrimoniais e ambientais. E se houver uso de seguranças armados para impedir esse uso comum, há a configuração de crime de constrangimento ilegal previsto no Código Penal”, acrescenta Costa.
Ambipar e Ilha do Caju LTDA não comentaram as denúncias de violência contra pescadores e catadores e nem a privatização de áreas públicas. Também não informaram qual das duas contratou a empresa onde trabalham os seguranças que estariam perseguindo os pescadores e catadores.
A Ilha do Caju LTDA, que se refere à Ilha do Caju como um “ilha privada”, afirmou que “as demandas da comunidade local estão sendo cuidadosamente consideradas pela equipe responsável, com a implementação de ações concretas sempre que possível”.





