Aplicativo Discord permite que pessoas se comuniquem em transmissões ao vivo de vídeos
Um aplicativo bastante popular entre adolescentes tem virado uma ferramenta para envolver jovens em um submundo de violência extrema. Desta vez, uma nova investigação do Fantástico trouxe à tona que criminosos utilizam o “Discord”, para envolver meninas menores de idade num submundo perverso da plataforma, um território sem lei, onde predadores estão à caça de menores de idade para estuprar, humilhar e violentar.
O aplicativo Discord permite que pessoas se comuniquem em transmissões ao vivo de vídeos dentro da plataforma. A vítima passa a ser chantageada a cumprir desafios. Se ela não aceitar, fotos íntimas são vazadas.
Um dos criminosos tem vários aparelhos de armazenamento e revela uma coleção cruel: “back up das vagabundas estupráveis”. Em cada pasta, o nome de uma vítima. São dezenas de meninas violadas, chantageadas, expostas, catalogadas.
Os agressores se sentem protegidos pelo anonimato e se tornam cada vez mais cruéis.
“Ajoelha, se prostra para mim, eu sou a p*** de um deus para você agora. Você é uma vagabunda que merece sofrer mesmo”, diz Izaquiel Tomé dos Santos, conhecido como Dexter, a uma adolescente. Ele está preso desde abril.
Há denúncias de dez vítimas: fotos de meninas nuas, mutiladas com uma dolorosa assinatura, o nome Dexter escrito com lâmina na pele.
À Polícia Federal, Izaquiel admitiu ter chantageado garotas para que elas se mutilassem. “Elas tinham que esconder isso da família, principalmente as lesões que elas mantinham no corpo de cortes”, explica o delegado João Rocha.
Além das dez vítimas localizadas pela PF, o Fantástico encontrou outras cinco.
“A gente espera que os pais conversem preventivamente, busquem se os filhos têm alguma lesão, se ficam muito tempo dentro do quarto. O diálogo é importante”, ressalta o delegado.
Na última sexta-feira (23), a polícia prendeu dois criminosos que agiam na plataforma e identificaram mais um, Carlos Eduardo, conhecido como DPE, que está foragido.
Além da responsabilização individual dos criminosos, o Ministério Público de São Paulo também investiga o próprio Discord.
“Nós estamos apurando, através de um inquérito civil, a falta de segurança da plataforma Discord. Crimes individuais sempre vão ocorrer na internet. O que diferencia é a detecção de que nessa plataforma está ocorrendo um discurso estruturado de ódio. Um local propício para que eles planejem ataque as vítimas e, principalmente, transmitam o conteúdo do crime”, declara o promotor de Justiça de São Paulo Danilo Orlando.
Em entrevista ao Fantástico, o porta-voz do Discord disse que a plataforma “não tolera comportamento odioso”. “Nós somos um produto gratuito para mais de 150 milhões de usuários ao redor do mundo, e de tempos em tempos, conteúdo mau e comportamento mau vão acontecer. Nós trabalhamos ativamente para remover esse conteúdo”, afirmou o porta-voz.
‘Gostaria de enfatizar que a vasta maioria das interações de brasileiros usando Discord são positivas e saudáveis. Nós somos proativos e investigamos grupos que podem estar envolvidos em ameaças a crianças e trabalhamos para tirar esses agentes ruins da plataforma”.
‘Geração do quarto’
O especialista em estudos da criança Hugo Monteiro Ferreira realizou uma pesquisa sobre a atual condição social e emocional de adolescentes e crianças, entrevistando mais de três mil pessoas.
“Eu nominei como geração do quarto”, diz Hugo. “Você tinha um fenômeno que já ocorria, e a pandemia colocou uma tonelada sobre esse fenômeno. Quando eu vou para o mundo da internet, presencio pessoas que querem me manipular, presencio elementos de violência. Eu aprendo a me suicidar, aprendo a atacar escolas, aprendo a como é me autolesionar”.
A jornalista Letícia Oliveira monitora grupos de ódio e violência nas redes sociais há dez anos.
“Cada vez mais, elas vão vendo conteúdo mais extremo e isso acaba levando elas a cometerem atrocidades, porque elas estão tão dessensibilizadas, estão tão acostumadas com a violência. É urgente que a gente entenda o que está acontecendo para tentar mudar isso”.